sexta-feira, 16 de julho de 2010

Diluvia

(reitrado da música Jobinamente de Gero Camilo)


Chove em São Paulo.

Como tem sido, mesmo não fosse verão, São Paulo envelhece a contas de chuva.

Se estas águas são de fevereiro o quê dirão as de março?

Chove muito em São Paulo.

Arregaço a boca da perna da calça. Arregaço o botão do peito. Que horas são?

Hora pra quê se chove em São Paulo.

O rio agora que te ouviu e vem vindo grande e sujo lavar teus pés.



Diluvia...

Lá se vai um par de botinas com ratinhos marinheiros pestilentos

Descendo as ruas

Despencando no cobertor de lama

Lá se vão flores roxas e girassóis e cachorrinhos quentes sem madames

Passa boi, boiada e as caravelinhas de lata, milhões delas, com famílias,

Executivos, estudantes cabulados, sogras, servos do prefeito, o amante e a casada,

Os operários alagados, a classe média deslavada...

Todos navegando em dia de rodízio sobre a água que cai em gota e sobe em larva.

Essa cidade meus senhores nem vos conto!


Chove em São Paulo.

Eu corro pequeno dando saltos nas calçadas

Desviando das pedras de gelo,

Dos guarda-chuvas quebrados, dos mosaicos pichados,

Foram mendigos que passaram por nós e mergulharam nos bueiros?

Da lama que sobe meus irmãos, pois chove a dias.
Não deve ter sidoMendigos não cabem em bueiros.

As marginais desmarginaram.

O que há de ser salvo, diluvia.

O que há de ser correria, diluvia.


Diluvia rombos públicos, bancos públicos, violência pública.

Estado privado. Saúde privada. Comida privada.

Diluvia lama do suor das moedas, da tintura das cédulas


Diluvia.

Meu Deus, vê-se das casas grandes

As casas pobres descendo a rios.

Os cofres, meus irmãos, ficam no alto

As rachaduras no céu vazam


Diluvia ira ínfima do cheiro da carne humana no fim do dia

Diluvia Anhangabaú

Senhores, a República afundou!



quarta-feira, 14 de julho de 2010

Combinação

Eu acho que os médicos usam roupas brancas pra combinar com o unfirme dos pacientes...

domingo, 4 de julho de 2010

Antígona


Eu sou Antígona, a mulher que enterrou o irmão com as próprias mãos.
Eu sou Antígona, essa mulher que aqui se apresenta com suas dores e utopias.
Eu sou Antígona, a mulher que fez justiça com as próprias mãos.
Meu irmão tinha o direito de ser enterrado.
Quem você pensa que é Creonte para tirar-me os meus?
Meu pai Obaluaê, me protege com seu manto.
Oxum, Ogum e Oxalá, e todos os orixás.
Ah meu pai, toma conta de mim, que com essa cólera sou capaz de ser pior que o inimigo.
Eu sou Antígona, a mulher que morreu virgem por não querer gozar com as injustiças da terra.
Me diz Creonte, é só aos ouvidos que minhas palavras te ferem ou é no íntimo da alma?
Eu confesso! Eu confesso o que fiz e grito pro mundo inteiro!
Eu sou a mulher do contra, a mulher da noite, a mulher da escuridão, a mulher de botas pretas, a mulher guerreira, a mulher irmã, a mulher que por ser mulher foi capaz de honrar o útero que carrega, diferente de você Creonte que denigre aquilo que carrega por entre as pernas.
Eu sou Antígona, fruto do seu governo, da sua insensatez, da sua desigualdade.
Eu sou Antígona...