segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Ceu e o diabo.

Havia um menino que tinha o sonho de ir para o Ceu.
Um belo dia, nesses de verão ou de outono, finalmente ele se deparou com o paraíso.
Logo na porta do Ceu o menino encontrou São Pedro vestido de preto com um rádio na mão. São Pedro olhou no fundo dos olhos do menino e disse com uma voz grave:
- Pra onde é que você vai menino?
O menino não sabia para onde ia e era bom não saber. Ele queria apenas ir. Mas ir naquele Ceu era perigoso.
Vendo que o menino não sabia o que responder, São Pedro logo disse:
- É preciso que você vá para o 3º andar. Entre naquela porta vermelha, suba as escadas à esquerda e entre na porta sem bater.
O menino com uma mudez misterioso seguiu os passos do homem-santo de preto. Ele já havia ouvido falar do porteiro do Ceu, mas não imaginava que ele seria daquela maneira. O menino tinha a inôcencia de achar que todos do Ceu eram santos.
Ao final do último lance de escada, ele se deparou com uma porta escrita: "entre sem bater". Com a força de uma criança e os dedos finos, o menino colocou a mão sobre a maçaneta e girou-a.
Ao abrir a porta algumas pessoas com olhos imensos (algumas até com três olhos) o observou querendo devorá-lo. O menino começou a desconfiar que ali fosse o Ceu.
De repente, uma voz aguda e estridente inicia um diálogo rápido e feroz.
- Sente aqui. Não, aqui. Vamos. Diga. Fale. Onde você estava? Por que subiu até aqui? Não. Não. Não. Não. Não. Não.
O menino percebeu quem era. Era o diabo. Ele acabara de descobrir que no Ceu também havia diabo. Aquela voz começou a ferir seus ouvidos e o menino só conseguia pensar: "Eu achava que o diabo tivesse voz grossa!".
Deste então nunca mais o menino quis voltar para o Ceu. Ele ficou pensando se havia inferno ou se tudo aquilo era invenção do homem. Dizem que o diabo vive lá até hoje... e que só há uma maneira de tirá-lo de lá, do 3º andar. É travando uma grande guerra em que soldados e guerreiros vizinhos do Ceu se unam para que juntos matem uma princesa, roubem seu coração e o coloque no diabo.
O menino pensou no tanto de sangue que iria derramar e quantas famílias iriam ser destruídas.
Ele preferiu voltar e viver de vez na terra.
Ele preferiu criar o Ceu dentro de si mesmo.
Dentro de sua própria alma.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Lenine, me salva?

O menino é filho de um ex presidiário.
E eu filho dessa cidade.
Nós dois somos irmãos.
Eu professor. Ele aluno.
Eu inocente. Ele astuto, ágil, corajoso.
Peita o mundo com socos, gritos e palavrões.
Eu entro no carro e choro.
Ele chora fora do carro mesmo.
Eu choro sem saber o que eu quero do mundo.
Ele chora sabendo:
- Eu quero destruir minha família.
Ouço Lenine. Lenine salva minha vida por alguns instantes.
Será que o Lenine já deu aula em favela?
O que que tá acontecendo?
Eu estou triste.
A vida é um pouco triste pra mim.
Sou mais um burguês assustado com a realidade?
Eu não sei mais se vou até o fim.
Eu estou triste.
Conceitos e ideais jogados no lixo.
Choro. Eu continuo triste.
E ele? Onde está? Os olhos de criança ainda perdidos, onde estão?
Eu vou apresentar o Lenine pra ele...
Eles vão ser amigos.
Vão sim...

Segunda-feira

Depois de eu apartar uma briga, o aluno ainda revoltado diz:
- Eu odeio a sua aula. Não sei nem porque eu venho às segundas...
Pensei comigo:
- Nem eu...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

CARALHO

Bota o caralho na ata e pede pra duas pessoas testemunharem!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A CASA

Com o cheiro da tinta fresca revejo em mim os velhos sonhos.

Uma parede a pintar, uma vida a ser construída.

Eu quero sentar neste sofá até o meu coração sangrar de amor e o domingo tornar-se pequeno para nós.

Essa é a nossa casa, o nosso ninho, a nossa fuga.

O que é morar junto com o amado senão o aprisionamento sutil da paixão?

Ainda que eu saiba que tudo isso me sufocará, eu quero.

Ao som de Bethania, Clara, Clementina e Ivone quero ouvir o seu suor na cama até fechar os olhos e dormir...

Durmo finalmente contigo sabendo que amanhã os lençóis frios esperam o calor dos nossos corpos.

A vida a dois chegou.

Bom dia...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Diluvia

(reitrado da música Jobinamente de Gero Camilo)


Chove em São Paulo.

Como tem sido, mesmo não fosse verão, São Paulo envelhece a contas de chuva.

Se estas águas são de fevereiro o quê dirão as de março?

Chove muito em São Paulo.

Arregaço a boca da perna da calça. Arregaço o botão do peito. Que horas são?

Hora pra quê se chove em São Paulo.

O rio agora que te ouviu e vem vindo grande e sujo lavar teus pés.



Diluvia...

Lá se vai um par de botinas com ratinhos marinheiros pestilentos

Descendo as ruas

Despencando no cobertor de lama

Lá se vão flores roxas e girassóis e cachorrinhos quentes sem madames

Passa boi, boiada e as caravelinhas de lata, milhões delas, com famílias,

Executivos, estudantes cabulados, sogras, servos do prefeito, o amante e a casada,

Os operários alagados, a classe média deslavada...

Todos navegando em dia de rodízio sobre a água que cai em gota e sobe em larva.

Essa cidade meus senhores nem vos conto!


Chove em São Paulo.

Eu corro pequeno dando saltos nas calçadas

Desviando das pedras de gelo,

Dos guarda-chuvas quebrados, dos mosaicos pichados,

Foram mendigos que passaram por nós e mergulharam nos bueiros?

Da lama que sobe meus irmãos, pois chove a dias.
Não deve ter sidoMendigos não cabem em bueiros.

As marginais desmarginaram.

O que há de ser salvo, diluvia.

O que há de ser correria, diluvia.


Diluvia rombos públicos, bancos públicos, violência pública.

Estado privado. Saúde privada. Comida privada.

Diluvia lama do suor das moedas, da tintura das cédulas


Diluvia.

Meu Deus, vê-se das casas grandes

As casas pobres descendo a rios.

Os cofres, meus irmãos, ficam no alto

As rachaduras no céu vazam


Diluvia ira ínfima do cheiro da carne humana no fim do dia

Diluvia Anhangabaú

Senhores, a República afundou!



quarta-feira, 14 de julho de 2010

Combinação

Eu acho que os médicos usam roupas brancas pra combinar com o unfirme dos pacientes...

domingo, 4 de julho de 2010

Antígona


Eu sou Antígona, a mulher que enterrou o irmão com as próprias mãos.
Eu sou Antígona, essa mulher que aqui se apresenta com suas dores e utopias.
Eu sou Antígona, a mulher que fez justiça com as próprias mãos.
Meu irmão tinha o direito de ser enterrado.
Quem você pensa que é Creonte para tirar-me os meus?
Meu pai Obaluaê, me protege com seu manto.
Oxum, Ogum e Oxalá, e todos os orixás.
Ah meu pai, toma conta de mim, que com essa cólera sou capaz de ser pior que o inimigo.
Eu sou Antígona, a mulher que morreu virgem por não querer gozar com as injustiças da terra.
Me diz Creonte, é só aos ouvidos que minhas palavras te ferem ou é no íntimo da alma?
Eu confesso! Eu confesso o que fiz e grito pro mundo inteiro!
Eu sou a mulher do contra, a mulher da noite, a mulher da escuridão, a mulher de botas pretas, a mulher guerreira, a mulher irmã, a mulher que por ser mulher foi capaz de honrar o útero que carrega, diferente de você Creonte que denigre aquilo que carrega por entre as pernas.
Eu sou Antígona, fruto do seu governo, da sua insensatez, da sua desigualdade.
Eu sou Antígona...

sábado, 26 de junho de 2010

Explicação

Não é que não goste de dormir com você de sábado pra domingo.
É que de sexta pra sábado o final de semana ao seu lado fica maior!

terça-feira, 22 de junho de 2010

Ah, se eu vou!



Um dia eu vou!
Um dia ainda largo tudo (que tudo?!) e fujo com o Circo!
Entre andar na corda bamba aqui, prefiro acolá.
Entre o risco da queda, prefiro a do trapézio.
Vou ser o palhaço que a plateia aplaude.
Cansei de lidar com animais enjaulados na sua própria casa em frente a TV.
Todos os dias vou gargalhar e rir tão alto, tão alto que até os coreanos vão ouvir e sentir cócegas na alma!
Ah se eu vou!
Vou andar na bicicleta da imprecisão, rugir palavras de amor e dar tortadas na hipocrisia!
"Seu palhaço!" eu vou ouvir e dessa vez vou gostar!
Eu vou assim, sem medo e sem rancor!
"Mãe, eu vou viver com o Circo!"
Um dia...
um dia...

terça-feira, 15 de junho de 2010

Inglês

Quando ainda estava na escola, uma amiga virou para mim e disse:
- Você não tem vontade de entender o que a música em inglês diz?
- ...
- Eu fico pensando: "Como pode alguém ouvir uma música, cantar e não entender nada?". É por isso que eu vou estudar inglês.
Hoje paro e penso: "É por isso que eu fui estudar português".

domingo, 13 de junho de 2010

Shopping

Eu não gosto de ir ao shopping.
Em vez de ficar olhando as vitrines, eu vejo as pessoas.
E como são muitas, eu fico confuso.

sábado, 12 de junho de 2010

Eu topo

eu quero, amor.
eu topo.
eu vou com você.
sem tv, sem cama, sem fogão.
eu vou e vou com tudo.
que seja um ano, um mês, um suspiro ou uma paixão.
eu preciso.
quero ser consumido pelo presente sem pensar no amanhã.
quero o instante do agora.
quero a alegria do gozo todos os dias.
a roupa pra passar pra que o riso chegue lá.
a conta pra pagar e a sua mão chega pra cá.
vem, amor. vem o amor.
que hoje, mais do que nunca, te quero na alegria e na dor.
na tristeza e na tristeza.
é só dizer quando, onde e que horas
estou aqui...
aqui...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Paulo Henrique

Paulo Henrique chega na praça para ver a peça de teatro com a mãe. Depois de alguns minutos, já sem a mãe ao lado, ele me conta:
- Toda vez minha mãe vai embora antes de começar. Eu não entendo. Ela diz em casa que não pode sair comigo porque tá cheia de coisa pra fazer, depois vive reclamando que está entediada, porque não tem nada pra fazer... Dá pra entender?
É... Não muito...

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Aline

Após receber o troco e junto dele o cupom fiscal, eu digo à ela:
- Obrigado, Aline.
Ela levanta com um susto contido e um olhar suspeitoso, mas inocente:
- Como você sabe meu nome?
- Eu li na plaquinha acoplada em seu uniforme.
Aline acabara de descobrir que tinha um nome.

Eu sou a bola deste jogo

Eu sou a bola do jogo. Eu sou a bola da vez.

Eu sou essa bola chutada todos os dias por milhares e milhares de pessoas no mundo inteiro.

Tem gente que nasceu pra ser trave, pra ser grama, pra ser apito, eu nasci pra ser bola, e você?

Eu sou a bola do jogo. Eu sou a bola da vez.

E não me venham com desculpinhas, eu sei muito bem que todos os senhores já me chutaram um dia...

Me joga pela esquerda, pela direita, passa por um, passa por outro, dribla um dribla outro, vai com tudo e é gol!

É gol! É gol de letra, de calcanhar, de primeira, de bate pronto, de chapa, de peixinho, de bico!

É gol e porque a festa? É gol de quem? Quem é que vai ganhar esse jogo?

Se eu murchar, vai mudar alguma coisa? Será que se eu e minhas companheiras bolas murcharem, vai mudar alguma? Vai mudar alguma coisa?

O meu sonho sabe qual é? 11 bolas contra 11 jogadores. Um jogo de igual pra igual. Frente a frente.

Eu sou essa bola velha, suja, murcha, podre... Eu sou essa bola cansada que um dia hão de trocar por uma novinha em folha.

Decidi, estou de partida nessa partida... Estou indo embora pra gandula nenhum vir me pegar... Chega! Chega desse jogo cruel, chega meus senhores, desse sabor amargo, dessa vontade louca de explodir de tanto gás que há em mim, pouco importa, tantas outras bolas estão por aí sendo fabricadas... Cansei de ser a bola da vez...

Rodando e rodando e rodando e rodando e rodando e rodando e rodando...

Fim de jogo. Zero a Zero. E eu? Continuo sendo a bola do jogo...

Eu sou a bola deste jogo - VÍDEO


Direção, texto e criação: Bruno César Lopes
Atriz: Tatiana Monte
Maquiagem: Vanessa Rosa
Trilha Sonora: de Björk