Chove
Se estas águas são de fevereiro o quê dirão as de março?
Chove muito
Arregaço a boca da perna da calça. Arregaço o botão do peito. Que horas são?
Hora pra quê se chove em São Paulo.
O rio agora que te ouviu e vem vindo grande e sujo lavar teus pés.
Diluvia...
Lá se vai um par de botinas com ratinhos marinheiros pestilentos
Descendo as ruas
Despencando no cobertor de lama
Lá se vão flores roxas e girassóis e cachorrinhos quentes sem madames
Passa boi, boiada e as caravelinhas de lata, milhões delas, com famílias,
Executivos, estudantes cabulados, sogras, servos do prefeito, o amante e a casada,
Os operários alagados, a classe média deslavada...
Todos navegando em dia de rodízio sobre a água que cai em gota e sobe em larva.
Essa cidade meus senhores nem vos conto!
Chove
Eu corro pequeno dando saltos nas calçadas
Desviando das pedras de gelo,
Dos guarda-chuvas quebrados, dos mosaicos pichados,
Foram mendigos que passaram por nós e mergulharam nos bueiros?
Da lama que sobe meus irmãos, pois chove a dias.Não deve ter sidoMendigos não cabem em bueiros.
As marginais desmarginaram.
O que há de ser salvo, diluvia.
O que há de ser correria, diluvia.
Diluvia rombos públicos, bancos públicos, violência pública.
Estado privado. Saúde privada. Comida privada.
Diluvia lama do suor das moedas, da tintura das cédulas
Diluvia.
Meu Deus, vê-se das casas grandes
As casas pobres descendo a rios.
Os cofres, meus irmãos, ficam no alto
As rachaduras no céu vazam
Diluvia ira ínfima do cheiro da carne humana no fim do dia
Diluvia Anhangabaú
Senhores, a República afundou!
Diluviaaaa
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